sábado, 13 de dezembro de 2008

A aula como acontecimento *


Talvez por ter sido apenas uma aluna razoável, me esforçe bastante pra ser uma boa professora. Mas reconheço que quase tudo que nós, professores, fazemos/falamos na sala de aula cai a conta-gotas no grande oceano de saberes,vivências, imaginação, recusas, problemas, amores, desconfiança, descrétido, enfim, na maçaroca de fios que conectam a cabeça dos alunos.

Não por falta de esforço, como disse, nem por causa dos alunos, como é preciso dizer. Tem discurso pior de professor do que o famoso "Eles não querem nada?" Como alguém pode achar que é possível não se querer nada? Não seria mais honesto dizer: Eu não quero oferecer nada do que eles querem?

Bom, mas enquanto estamos lá, tentando fazer com que algo específico aconteça, na maioria das vezes, o que acontece de verdade está completamente fora da nossa visão e do nosso controle. E, geralmente, o que de fato acontece é muito mais rico e interessante do que somos capazes de planejar, ver ou controlar.

Me lembro algumas ocasiões em que algo aconteceu efetivamente, isto é, aconteceu com todo o sentido da palavra acontecimento.

Duas vezes, uma enquanto dava aula de Didática na Faculdade de Educação da UFBA e outra enquanto fazia minha pesquisa de mestrado com professores numa Escola Municipal de Salvador, entrou voando pela sala um passarinho, uma rolinha dessas bem comuns. Foi incrível. Mudou a emoção da aula. No começo, foi uma tensão enorme, pois, nos dois casos, os passarinhos ficaram se debatendo nas janelas tentando sair. Nas duas vezes, é claro, paramos o trabalho pra acudir os coitadinhos. O curioso é que depois desse fato, houve uma cumplicidade diferente minha com o grupo e, acho, que dos alunos/professores comigo. Eu penso que numa sala de adultos é preciso que muita coisa aconteça pra que os muram comecem a cair. E um passarinho voando é muita coisa, descobri.

Outro fato nessa linha está gravado na minha memória como uma imagem incrivelmente linda, que espero, um dia, poder (d)escrever melhor. Era fim de tarde e dava aula na sala 16 da Faced e, quando olhei pela janela, vi uma maravilhosa chuva de pequenas flores amarelas caindo de uma das árvores que formam uma cortina verde nos fundos da Faculdade. O que era mais louco: transversalmente se via os raios de sol iluminando aquele fenômeno como um canhão de luz em um palco. As florzinhas caiam em grande quantidade como se nevasse. Parei a aula e pedi que as alunas olhassem pela janela. Naquela sala só tinha professoras da rede pública, todas já com bastante experiência e elas não se negaram a olhar. Eram alunas do projeto Salvador, um curso de graduação para professoras da rede municipal. Testemunhamos aquilo e voltamos para nossa aula, para a parte do planejamento, do conta-gotas...

Passamos o semestre e tinha esquecido um pouco desse fato. No último dia de aula, porém, uma aluna pediu pra ler uma poema que tinha feito, não pra me homenagear como pessoa, mas sobre a disciplina, a experiência, o acontecimento. Fiquei emocionada pois ela se referia àquele dia. É o poema que transcrevo abaixo. Foi uma das coisas mais bonitas que aconteceram durante as minhas aulas: a inspiração para um poema.

ABCD** à tardinha


(Jocélia Freitas)


No silêncio da tardinha

Fenômeno estava acontecendo

Folhas passavam pelos vidros

A primavera enfim se fazendo

Emoções, suspiros, poucos ruídos


As tardes na academia

Lindas histórias aconteciam

Sonhos, vida e fantasias

Ambientes serenos se faziam

Suspense, delírio, sabedoria


* Título emprestado de um texto interessantíssimo do João Wanderley Geraldi. Pena que não está publicado no Brasil, só em Portugal. Tenho um exemplar que ele mesmo me enviou e não dou, pode ser que empreste, e nunquinha venderei.. hehe
** ABCD é o nome da disciplina: "Aquisições básicas das capacidades discursivas no oral e no escrito".

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Beliscando as sobras de ontem à noite


"Nem vou clicar nesse link, o passado pode pular pra fora."

"Trocar nozes por castanha-do-pará no pesto não é nenhum ato de coragem"

"Um blog abandonado não é nada; dois é sinal de desapego aos bens ciber...ego... tríp..icos; três já é descaso absoluto com meu lado que pensa que é Fernando Pessoa."

"Há uma profunda e silenciosa conversa enquanto se dá um abraço; às vezes um abraço atropela as palavras."

"Ser fã de amigo é muito legal."

"As casas é que criam as pessoas e cuidam delas até elas crescerem... ou morrerem."

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Espaço interno

Tom Baril - Flower



"Um desvão de telhado é o infinito para as andorinhas." (Machado de Assis)


"Os desvãos me constam". (Manoel de Barros)

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Além Mundo




CENA

Altas torres.
Longos rios.

FADA

Toma em teu dedo a aliança
usada por teus avós.
Cem mãos debaixo da terra
estão sentindo-lhe a falta

EU

Vou sentir em minhas mãos
uma imensa flor de dedos
e o símbolo desse anel.
Não o quero.

Altas torres.
Longos Rios.



Federico Garcia Lorca

terça-feira, 29 de julho de 2008

Lista 1: O melhor de terminar a dissertação


1. O falso paraíso das realizações.

2. Não ouvir mais as perguntas insistentes: acabou? quando vai ser?
3. Festa com amigos.

4. Ler um romance sem culpa.

5. Voltar a ter vontade de estudar.

6. Voltar às oficinas da Trama.

7. Ter uma contadora de histórias abrindo a defesa.

8. Explicar pra banca porque o Mito de Aracne no texto.

9. Ouvir o parecer de Beth Hazin
10. Me dedicar à mudança: paredes pra pintar, espaços pra preencher...




segunda-feira, 28 de julho de 2008

http://br.youtube.com/watch?v=ZNtZUkfuEzg

Através desse link vc pode assistir a um trecho do filme Livro de Cabeceira.

Listas e travesseiros


Há algum tempo, li um livro delicioso: A lenda de Murasaki de Liza Dalby.
É um romance histórico que conta a vida de Murasaki Shikibu, uma cortesã japonesa que seria quem escreveu o primeiro romance do mundo, A História de Genji– aqui a palavra romance também tem o sentido de história de amor.
Comprei o livro porque tinha adorado o filme O Livro de Cabeceira de Peter Greenway (presença garantida no meu Top 10) e quis saber se Murasaki era a mesma Sei Shonagon falada no filme, que também era uma cortesã e que ficou famosa por ter sido a primeira mulher escritora no japão.
Não era.
Bom, na época dessas moças, era costume se ter um livro de travesseiro, ou seja, um caderno de anotações pessoais que ficava ao lado do travesseiro e que tinha um conteúdo muito íntimo, mas que, às vezes, era compartilhado com outras pessoas.
A propósito, o nome original do filme é Pillow Book. No Brasil foi traduzido para Livro de Cabeceira por motivos óbvios, mas eu não gostei. O livro de travesseiro japonês não tem muito a ver com o nosso de livro de cabeceira.
O fato é que o livro de travesseiro de Shonagan ficou tão famoso entre as cortesãs do seu tempo que saiu do restrito circulo do palacio real para se tornar o primeiro livro de literatura escrito por uma mulher.
A Lisa Dalby, que é americana, não reconhece Shonagon como a primeira escritora, pois diz que seus livros nada mais eram do que listas -interessantes, mas listas.
Quem viu o filme Livro de Cabeceira, pode suspeitar o quanto essas listas podem ser mais que interessantes. Pra quem não lembra, o livro é aquele vermelho que o Ewan McGregor "veste" no final.
Só sei que depois que li o livro, fiquei ainda mais invocada com listas.
Além de fazer listas práticas - e elas se tornaram extremamente necessárias pra mim – comecei a fazer minhas listas... hehe... poéticas. Além, claro, daquelas feitas por pura diversão do tipo “os dez melhores filmes que eu vi na sessão da tarde”, "os dez livros que todo mundo devia ler" “os cinco melhores shows da minha vida”, “os dez caras mais chatos da política” , tipo 'top x'.
Mas as listas de Shonagon, não eram tão... banais - apesar de que tinham esse resquiciozinho de auto-massagem no ego que as listas sempre têm (e de preconceito também).
Os títulos é que eram bem mais bonitos. Por exemplo: “Minha lista das coisas esplêndidas” ou "Cores do primeiro dia de inverno nas montanhas"... enfim, listas que se pretendiam eruditas e elegantes, e com a cara do seu tempo, isso por volta do século X.
Então é isso. Quero dizer que, mesmo não tão eruditas, ou mesmo elegantes, aqui, volta e meia, listas.

Reestréia

Depois de alguns estadas breves em outros endereços, depois de abrir contas e esquecer a senha, chego aqui nesse canto, uma margem onde comentar a vida e construir desvios.