domingo, 31 de março de 2013

O salto (ou A queda).

De uma hora para outra
de um segundo para outro
de um centésimo de segundo para outro
O equilibrista decide e salta.

Equilibrou-se por tantos passos
Cada um delicadamente calculado
Cuidadosamente desmedido
Por querer tanto andar
Por sobre
Por entre
Sem medo
Sem chão.


E o equilibrista salta.
Aprecia sua queda
Sua vertiginosa descida
para o
agora.

Era um equilibrista sem depois.


sábado, 23 de março de 2013

Agora dei pra emprestar posts de outros lugares. Este é do blog O Transatlântico, da Bravo Online, pelo Paulo Nogueira. Muitas dicas e um texto prazeroso demais, porque soma inteligência, humor e ótima escrita. É o velho tema das cartas de amor que, volta e meia, me interessa. Engraçado como escritores tão honoráveis parecem tão bobinhos e fragilizados diante do amor. Exceto o Joyce que era um safado. Mas como diria o Bob Dylan, citado pelo próprio Paulo Nogueira em outro post ótimo sobre os filósofos e suas paixões, "Não dá para estar apaixonado e ser sábio ao mesmo tempo".



QUERIDO LEITOR/A

Com os emails, hoje as cartas são uma espécie em extinção, mamutes verbais. Na Viena de Freud ou na Londres de Virginia Woolf, o correio passava até quatro vezes por dia! Um remetente que enviava uma carta de manhã podia ter a expectativa de receber a resposta na tarde do mesmo dia.
Bidu: os escritores escreviam cartas febrilmente, incluindo cartas de amor, algumas tórridas – os autores tendem a ser mais desbocados e regateiros que o comum dos mortais, talvez por se excitarem mais facilmente com o feitiço das palavras. Eu sou um aficionado das cartas – há certas coisas que não pega bem pedir pessoalmente. Dinheiro, por exemplo.
O que é que torna uma carta de amor extraordinária? Canja: a excelência literária, que canaliza a emoção amorosa de modo arrebatador. Acabo de ler The 50 Greatest Love Letters of All Time, com excertos da correspondência galante de Hemingway, Frida Kahlo, Kafka e Mozart, entre outros. Antes, já tinha lido uma antologia de cartas apaixonadas, selecionadas pela escritora espanhola Rosa Montero – emprestei o livro à minha amiga Inês Pedrosa e ela nunca mais me devolveu (tudo bem, também tenho uns reféns que ela me cedeu). Uma vez entrei numa livraria e perguntei se tinham a obra Cartas de Amor de Abelardo e Heloísa(uma correspondência bacana mas funesta, já que acabou com o pobre filósofo escolástico castrado e a donzela confinada num convento). Responderam-me: “Não, mas temos Como Escrever Cartas de Amor. “ Ora, querem ensinar o Padre-Nosso ao vigário? Claro que mandei o vendedor catar coquinho. Na mesma livraria, que ficava na Avenida Paulista, quando perguntei por Raízes do Brasil, o clássico da historiografia de Sérgio Buarque de Holanda, me aconselharam a seção de Botânica. Pode?
Com vocês, nove exemplos de correspondência amorosa de escritores.

(Virginia e Vita: olhos nos olhos)
1) De: Virginia Woolf. Para: Vita Sackville West – Virginia Woolf, casada com Leonard Woolf, apaixonou-se perdidamente pela poeta Vita Sackville West. Esta tinha o casamento perfeito: ela era sapato e o marido dela, gaysérrimo. O protagonista sexualmente camaleônico do romance Orlando é baseado em Vita. O filho da poeta descreveu aquele livro como “a mais longa carta de amor da história da literatura.”
Em 1927, Virginia escreveu à amada: “Escuta aqui, Vita. Jogue fora seu homem, e iremos passear por Hampton Court e jantar juntas às margens do rio e vaguear pelo jardim enluarado e voltar para casa só de madrugada e beber uma garrafa de vinho pelo gargalo e ficar bêbadas, e lhe contarei tudo o que tenho na cabeça, milhões, miríades. Pense nisso. Repito: jogue fora seu homem e venha.

(Milena: um amor kafkiano)
2) De Franz Kafka para Milena Jesenska. Arriando os quatro pneus com o fulgor da escrita de Kafka, Milena – jornalista e escritora – envia-lhe uma carta, pedindo autorização para traduzir do alemão para o checo algumas obras do autor. Em 1920, sairá, na revista Kmen, a tradução do fragmento O Foguista (a primeira de Kafka). Este contacto marca o início de uma longa correspondência entre ambos. O tom casto e profissional das primeiras cartas de Milena, que Kafka recebe no Tirol, onde se encontrava em tratamento da tuberculose que o matará, transforma-se gradualmente numa relação epistolar incandescente que durará cerca de dois anos. Milena morrerá num campo de concentração nazista.
Encontraram-se pessoalmente apenas duas vezes. Kafka teria terminado a relação porque Milena era incapaz de dar um pé na bunda do seu maridão, que desprezava mas não largava. No entanto, a paixão foi mútua e profunda – antes de morrer, foi a ela que o escritor confiou os seus Diários. Nas cartas de Kafka, a volúpia é transmitida por metáforas – e, proverbialmente, o sonho erótico lembra um pouco um pesadelo.
Ontem à noite sonhei contigo. Tudo o que me lembro era que estávamos sempre nos fundindo um no outro. Eu era você, você era eu. De súbito, você pegou fogo. Ocorrendo-me que as chamas podem ser extintas com panos, peguei um casaco velho e bati com ele em você. Mas houve outra metamorfose e você já nem estava mais lá. Era eu que ardia, e era também eu que açoitava as chamas com o casaco. Mas aquilo não adiantou e só confirmou o meu velho receio de que não era assim que se extingue o fogo. Enquanto isso, chegaram os bombeiros e você foi salva. Mas estava diferente, espectral, como se desenhada com giz. E você tombou inanimada nos meus braços, talvez apenas aliviada por estar viva. Mas eis de novo a incerteza da metamorfose: talvez tenha sido eu que caí nos braços de outra pessoa.”

(Oscar e Bosie)
De Oscar Wilde para Lord Alfred Douglas – Por causa da sua relação com Bosie, Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos forçados na prisão de Reading, donde saiu um bagaço. Confiante na sua lábia demoníaca, Oscar processou o pai do namorado, o marquês de Queensberry (que codificou as regras do boxe!) – mas acabou pagando o mico. O escritor morreu na rua da amargura, numa pulgueiro parisiense – ainda assim, suas últimas palavras foram: “Morro como vivi: acima das minhas posses.” Defendeu até o fim “o amor que não ousa dizer o seunome.” Já Alfred Douglas arregou: repudiou qualquer ligação com Oscar (“Quem?”), casou e teve filhos. O excerto seguinte, comedido pelos padrões contemporâneos, foi usado como prova contra Wilde na acusação de obscenidade.
Meu querido rapaz: seu soneto é adorável. Que maravilha que seus lábios rosados tenham sido feitos não apenas para a loucura da música como também para o desvario dos beijos. Sei que você, na Grécia Antiga, foi Jacinto, por quem Apolo se apaixonou desvairadamente. Por que você ainda está sozinho aí em Londres? Venha me visitar…. Sempre seu, com amor eterno, Oscar. 

(Louise: Madame Bovary era ela, não ele)
De: Gustave Flaubert para Louise Colet (1846) – Louise foi o único grande relacionamento amoroso da vida de Flaubert . Com o fim da ligação de oito anos, ele se restringiu à amizade com outros escritores, e morreu solteiro. Ela era casada, e muito provavelmente foi o modelo para Madame Bovary.
“Da próxima vez que estivermos juntos, lhe cobrirei de amor, com carinho, com êxtase. Quero consumir-lhe com todas as alegrias da carne, até que você definhe e morra. Quero arrebatar-lhe, até que confesse que nunca sonhou com tais delírios… Quando for velha, quero que recorde essas breves horas e que estremeça de alegria sempre que pensar nelas…

(Raridade: James Joyce filmado)
De James Joyce para Nora Barnacle, 1909 – O amor é cego: Nora, camareira de um hotel de Dublin, parecia o xodó mais improvável para Jim, um dos escritores mais geniais e eruditos (sabia 12 idiomas na ponta da língua) da história. 16 de Junho, o dia em que se desenrolam as 24 horas do Ulisses, foi o dia em que os dois saíram juntos pela primeira vez (e partiram logo para o bem bom). Muito mais tarde, ela fungaria para o marido, um escritor de obras abstrusas: “Caraca, por que você não escreve livros que as pessoas possam ler?
Joyce foi o rei das cartas de amor obscenas, e era chegado numa flatulência. (Atenção, leitor: as linhas seguintes podem ferir sua sensibilidade delicada. Este alerta é sério.) “Minha doce putinha, fiz como você sugeriu, minha garotinha porca, e bati duas enquanto lia sua carta. Adorei recordar que você gosta de ser comida por trás. Aliás, me lembrei daquela noite em que fodemos assim. Foi a trepada mais devassa que já dei com você, querida. Vendo sua cara corada e seus olhos alucinados. Sua língua serpenteando pelos seus lábios, e seus peidos depois das minhas estocadas mais vigorosas. Que você nunca pare de peidar, nem eu de sentir seu cheiro. Boa noite, minha pequena peidorreira, minha querida fodilhona. Escreva-me mais, para que eu possa bater outras, minha doce porquinha.”

(Vídeo rapidinho sobre Papa, com imagens de Mary Welsh)
De Ernest Hemingway para Mary Welsh (1945). Pombas , quem diria que Hemingway, protótipo do macho alfa, escreveria cartas tão líricas e românticas para sua quarta e última mulher? Incluindo apelidos fofinhos, como “Picles”? Quase uma espécie de Wando sem a cafonália!
Adorada Picles. Vou sair agora de barco e na volta verificarei se chegou alguma carta sua. Tomara que sim. Se não houver nenhuma, ficarei indescritivelmente triste. E terei de confiar na manhã seguinte, para conseguir sobreviver à noite. Por favor, me escreva. É um suplício estar sem você. Estou aguentando, mas sinto tanto sua falta que acho que vou morrer. Se lhe acontecesse alguma coisa, eu morreria – do mesmo modo que os animais nos Zoológicos morrem quando acontece alguma coisas às suas parceiras. Não, minha adorada Mary, não estou impaciente. Só estou desesperado.

(Zelda e Scott: fotogênicos)
De Scott Fitzgerald para Zelda Zayre – Eles foram o casal mais lendário dos anos 20 – entronizaram tanto a Era do Jazz quanto a Riviera Francesa. Mas o sonho dourado acabou mal e porcamente, em alcoolismo e esquizofrenia, infidelidade e ciúmes. Belos e malditos. Como observou o escritor Ring Lardner, amigo do casal, “Scott era um romancista, e Zelda era um romance.
Os biógrafos geralmente tomaram partido. Uns, perfilhando a opinião de Hemingway, de que ela foi uma maluquete que minou a autoconfiança artística e emocional dele. Outros, encarando Scott como um sacana que levou Zelda à loucura e impediu que ela tivesse uma carreira literária própria. É verdade que quando Zelda terminou seu romance Save me The Waltz, debruçado sobre o mesmo tema que Scott abordaria em Suave É A Noite, ele ficou fulo da vida. Escreveu colericamente para seu editor, a quem Zelda enviara o manuscrito, exigindo que o livro não fosse publicado. Apesar disso, os biógrafos mais recentes ponderam que ambos foram vítimas de um sistema social que castigava as mulheres criativas, especialmente aquelas que fossem casadas com homens criativos.
O fato é que Zelda escrevia bem à beça, e que Scott escreveu talvez o melhor romance americano de todos os tempos, O Grande Gatsby. Como ela anotou uma vez: “Estou tão cheia de confete que posso dar à luz bonecas de papel.” 
Ele morreu em 1941, com o fígado pior que o de Prometeu. Ela, em 1948, quando o manicômio onde estava confinada ardeu. Ambos estão enterrados lado a lado, no cemitério de Rockville, Maryland. O epitáfio da sepultura cita a plangente última linha de O Grande Gatsby: “E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado.
Na primeira carta que Fitzgerald escreveu à então namorada, ele apontou profética e tragicamente: “Sempre me interroguei por que costumavam encerrar princesas nas torres dos castelos. Agora descobri o motivo.

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2 Respostas para QUERIDO LEITOR/A

terça-feira, 5 de março de 2013

Como se fosse fácil!

Há mais ou menos duas semanas, lendo os comentários dos leitores do Calligaris, fui surpreendida pela crítica de um deles que reclamava do fato de o colunista abordar um tema (salvo engano, era "regras de etiqueta") a partir de livros e filmes, e que isto era recorrer a 'muletas' por faltar-lhe recursos de escrita e assunto. Eu, de cá, reconheci de imediato minha escrita manca, pois, na maioria das vezes, é  esse tipo de coisa sem grande importância que me provoca a escrever. Ademais, são-me indispensáveis as leituras que faço para então arriscar uma resposta ao mundo. A verdade é que sem a experiência da arte, não conseguiria interpretar a vida ou falar sobre ela. Mas ainda há outros motivos. Escrevo sobre assuntos assim mais distanciados por causa de uma certa reserva e também por uma total falta de interesse literário  pela minha própria vida.  De todo jeito,  assumo também que sofro sim, sofro, de uma falta de assunto crônica.
A não ser em situações em que a vida sai do prumo, períodos que me rendem uma poesia de literariedade rarefeita, lacônica e sem qualidade alguma, estou sempre a falar de livros, filmes e de um passado remoto.
Hoje, algo me provoca a falar de coisas mais urgentes, ainda que imprecisas.Venho comentar com alguma reflexão o uso frequente que tenho feito da expressão: "Como se fosse fácil..."
Em diferentes entoações, com pausas e timbres que variam conforme a preguiça, impotência, desconfiança, egoismo, falta de fé... A razão desta expressão que se repete, sem dizer sempre o mesmo, é que tenho achado tudo muito difícil de realizar,enquanto  as pessoas ao meu redor estão sempre muito dispostas a falar de soluções para os dilemas humanos de uma forma que, tenho a impressão, não estão de fato a considerar que somos apenas isto, humanos.
Pra mim não é fácil dizer não nem sim; não é fácil fazer o que não gosto nem lutar pelo que gosto; não é fácil esquecer o que me magoou nem lembrar do que magoou demais; não é fácil passar por cima dos obstáculos impostos pelo sadismo social dos outros, muito menos responder a eles a altura (e isto inclui toda classe de problemas contemporâneos em relação ao trabalho, ao corpo e ao espírito). Pois. O problema é que tem sido fácil demais encontrar conselhos gratuitos e em profusão e, às vezes, me pego nessa armadilha de me cobrar atitudes que me levariam direto pra saída. Como se fosse fácil...
Felizmente, sempre tem gente andando na contra-mão. E uma amiga, a quem admiro pela agudeza de sua percepção, postou no Facebook, ontem, acho, uma frase do Itamar Assunção que me diz muito: "Não há saídas/ Só ruas viadutos e avenidas."
Desconfio, como o Negro Dito, que não há libertação, só os desvios que construímos. Volta que damos para ver a coisa de outra posição. Entre vacilos, movimentos em falso, a esmo ou calculados,  vamos acreditando num ponto de chegada. Mas é nesse "acreditando" aí, nesse gerúndio, que vamos saindo, porém sem chegar a lugar algum.
Lamento se não fui muito além do que costumo. Ainda estou tentando escrever sem citar, sem recorrer a outras leituras, sem me expor demais e, ainda assim, escrever... Como se fosse possível...