


As cadeiras já não giram.
Ignoro-as.
Sem fixar-me, sigo.
Não olho para o círculo
miro o ponto distante
na altura do nariz.
Minha caminhada é a pé.
Cato pedrinhas
perco-as em seguida.
Vem a manhã
e já esqueço a noite.
Cuidadosa
tateio o fundo do saco.
Sinto minhas comichões bem vivas:
temos fôlego
elas e eu.
Deixa chover no destino!
Que nos reguem!
A gente sobrevive de esmos
derivas e sorte!
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pág. 79.
Espanha. 1939
O contador Antropomórfico, 1936
L'oratorio d'aurelia - Vitoria Thieree Chaplin