domingo, 9 de dezembro de 2012

Corta os cabelos
pinta o corpo
reescreve seu nascimento
e projeta seus últimos dias
com a ponta dos dedos

Delicadamente aborrece
certezas
Compara os dias e as
noites - quer ver de perto o flerte
sutil e eterno.
Esbraveja quando se põem cortinas
sobre este silencioso espetáculo.
Não quer menos que isto, testemunhar
o amor entre a luz e a sombra.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Nem escalou os muros dos dias
e pastoreia palavras
Ajunta-as
ou dispersa-as conforme ameaça
ou sorte
Apressa e conduz seus corpos pretos
sob um comando doce.

Confia - demais-  no andar das palavras
sem pagar tributo ao tempo
Ele que é
rei soberano
das impossibilidades.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Vamos lá,
permaneça sentada,
não se mova!
Está tudo bem
assim de cabeça pra baixo.
Nem se preocupe
com as cadeiras voando.
Daqui a pouco se acostuma
ou se acomodam.
O mundo é mesmo essa coisinha
cheia de vãos e montanhas.
Já subiu, já desceu, agora se
aquiete na sua corda bamba.



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Asa

palavra deitando horizonte além da muralha

invisível contorno da pele quente.
                                         
dia que se abre
por entre os flancos
da rotina,
              amarelo.
           




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Uma canção para os estranhos.

Nao reconheço esse ritmo
Nao tive aulas ou cresci nesse batuque
Tenho tonturas, não sei dançar com santos
Não aprendi mover minha mãos
nem a deslizar os pés
Não sei o que é essa roda
Não tenho noites assim
Nem dias que antecedam giros
Isso é coisa de lá
Coisa de lá, de lá, de lá
Eu aqui só sei de mim
dos meus pés e mãos
E de não saber dançar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012


João Cabral de Melo Neto

O Relógio

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.
Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.
Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;
e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Martin Jarrie. Gosto demais dessa xícara, só não sei porque. Há uma unidade no trabalho dele que são esses compartimentos, fragmentos, multiplicidades... não sei. gosto.





sábado, 22 de setembro de 2012

Ando pesquisando o livro ilustrado e sendo surpreendida por alguns artistas ilustradores. Esta série é da Eleanor Davis. No trabalho dela, muito do universo feminino. Lindo, lindo.

Domestixxx Series












quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Em casa a lua míngua sem calendário
Mas, se cheia, reflete maior
e mais clara na superfície do lago.
Eu, água, me deixo quieta,
ser lambida pela luz.


***

A roda se dá ao desfrute
enquanto ao centro a moça
interpela os próprios pés:
- Queres cirandar
e te deixas permanecer?
Ao que os pés respondem
desembrulhando pergunta:
- E não há que se ter, neste chão, um lugar?
Na roda, se deixa girar a outra moça
apertando mais forte seus laços.




quinta-feira, 7 de junho de 2012

Se o teu amor é doce
e a tua história  de herói.
Se o teu corpo lembra um rio
a tua voz suave, os anjos
e se o teu rosto evoca o eterno,
eu, em algum lugar, estou só.

Se o teu amor é meu
e a tua história me toca
e se sou aquecida pelos teus braços suaves
e por tua mansidão,
sou falta, ainda.
E estou aqui,
desejante dos possíveis.
Desejo, para além de ti,
eu mesma.
Ainda que, em mim, essa estranha,
eu só reconheça tua presença, profunda, perene.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Qual a chave para as palavras que inauguram mundos?
(Me diga você que faz datilografia)
Estão longe do meu domínio e criam estranhos reinos
                                                   ao redor da vertigem.
Enquanto calo, habito o estrangeiro,
cujos reis costuram suas próprias vestes
                                                  em ouro e prata.
Agora, só vejo minhas transparências.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

vou ali 
buscar um tantinho
de passado 
puxar as raízes testar 
firmezas examinar 
minúcias de sentimentos 
velhos que é pra não envelhecer 
as juntas do coração
E deixar que 
floresçam dores novas


quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Psicologia de almanaque 1

Uma dos aspectos que nos dá densidade, cor e textura, são as relações que construímos durante a vida. Vamos pendurando-as no gancho dos afetos e esse cacho é uma espécie de adorno que diz muito sobre nós: quantos e quais amores; quem e como, amigos.
Às vezes, uma sacudida, um ou outro cai do gancho e fica apenas sua sombra pendurada ali, ainda a nos dizer de nosso funcionamento, da nossa micro-história, de batalhas ganhas e perdidas.
Volta e meia a vida nos força a dar uma chacoalhada  -Shake, shake, shake baby now! Levanta, sacode a poeira...
É o momento em que paramos pra ver se estes afetos estão firmes. Mas, infelizmente, tendemos, ao invés de refletimos sobre o peso que carregamos, a avaliar as pessoas, sua lealdade ou qualquer outra característica justificadora das nossas mazelas. Pena. O negócio é ali, com os botões.
Mas tem gente - lá vai! - que tem ganchos invertidos. Estes se penduram por um tempo e logo escapam para, durante a queda, pendurar-se em outros. Carregam consigo apenas espectros.
Há ainda gente que tem o gancho fechado, com uma corrente. Aprisiona aqueles por quem se apaixona com seu amor apegado e pouco generoso. 
Outros - vamos mais longe? - têm argola, não ganchos. Se penduram em alguém e não conseguem sair dali até serem expulsos.
Cheguei a conclusão de que tenho poucos ganchos. Há sempre um número equilibrado de queridos pendurados neles. Não consigo ir acumulando tantos. Talvez por não ser tão grande como gostaria.


As relações,  muitas vezes, elas parecerem ser mais ou menos importantes do que realmente são. Ás vezes, perco  a exata medida das coisas. Não é verdade que de vez em quando superestimamos relações cretinas, com gente cretina ? Outras vezes, por serem quietos, menosprezamos certos afetos? Claro que fazer avaliação como esta, nem sempre é o que faz com que resolvamos a vida; que terminemos ou mantenhamos uma história. Para isso sempre buscamos a sinestesia das tragédias, dos gestos condenáveis e das palavras injustas. Essa falta de definição, embora não seja O fim,  causa desassossego. 
Será que a maturidade não está em conquistar este poder de, mesmo sem dramas, se não de mensurar, o de reconhecer o bem e o mal de um afeto? Sinto que aprendo isso a cada ruga que ganho. Sem apologias ao envelhecimento, gosto de saber que já não preciso dos dramas pra seguir caminhando e dar sacudidas no meu molho.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Da palavra e seu depois

Se sei o que acontece depois das palavras?
Não sei. Nem sei se isto há! Afinal tudo não é, de alguma forma, palavra - ainda gesto, ainda olho, ainda as voltas do coração - e todos os seus depois?
Como pode isto, ou qualquer outro estalo do universo, sem que se nomeiem?
Se não é dito, não há, simplesmente. Essa pré-existência à palavra é nada. O início não é o verbo? Não é lá que as coisas ganham miserável ou feliz existência? Também isto!
Se deixam de haver palavras, isto que me interrogas já não existe. Como agora, com esse silêncio em volta. Agora só existo eu e essa espera estranha.